Nelson Marques Cineclube Natal e ACCiRN – Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Norte e-mail: [email protected] Falar de escândalos financeiros em época de coronavírus parece até descabido e impertinente na atualidade. É impressionante que em poucos anos já não parece ter tanta importância os escândalos das bolsas, do "arranjo" das economias mundiais e os famosos Panamá Papers, no qual o filme A Lavanderia se baseia. Se fosse bem dirigido, o filme seria uma boa obra de ficção com muita realidade adentro. Se lembrarmos de outro filme de tema semelhante, de 2011, Marvin Call – O Dia Antes do Fim, de J. C. Chandor, teria tudo para dar certo. A escolha de bons atores no filme de Soderbergh e neste (Kevin Spacey antes dos escândalos sexuais e Paul Bettani) poderia se encaminhar para um final menos medíocre. No entanto, precedentes anteriores, como A Grande Aposta, de Adam McKay, de 2015, e o Grande Demais para Quebrar, de 2011, dirigido pelo Curtis Hanson, ambos apenas medianos, mostram que esse filão não é fácil. Os dois tentavam explicar a grande crise econômica de 2008. O filme de agora, o de Soderbergh, mesmo com boas atuações de Mery Streep, Gary Oldman e Antônio Banderas, é fraco. A proposta de trazer para discussão o caso dos Panamá Papers morre na praia. Seja pelo excesso de didatismo ao tentar explicar o escândalo financeiro ou pelo fato de Soderbergh ter perdido a mão nos seus últimos filmes depois de grandes realizações como Sexo, Mentiras e Videotape, de 1989, Erin Brockovich, de 2000, a trilogia de Onze Homens e um Segredo, de 2001, 2004, 2007, e Contágio, de 2011. O filme A Lavanderia foi inspirado em um dos maiores vazamentos de dados econômico-financeiros sigilosos da história recente, o caso dos Panamá Papers, em 2016. O filme se utiliza também do livro sobre o caso: The Secrecy World, do jornalista Jake Bernstein. O Panamá, o país, aparece na história porque era a sede de um minúsculo escritório de advocacia (Mossack/Fonseca), que dava respaldo legal para a criação de milhares de empresas sem lastro econômico nenhum. O vazamento das informações econômicas sigilosas foi uma bomba nos meios econômico-financeiros, envolvendo bancos, indústrias, empreiteiras, bolsas e ações do mundo todo e grandes líderes políticos mundiais. O mecanismo de ação era o de fraudes fiscais e corrupção numa dimensão simplesmente escandalosa. O vazamento aconteceu com uma fonte anônima liberando documentos a jornalistas do diário alemão Suddeutsche Zeitung a partir de 2015. Após essa ação inicial, um consórcio internacional de reportagens, sediado em Washington, ficou garimpando os documentos por mais de um ano e liberando informações a conta-gotas, mas de forma constante e com regularidade. O filme A Lavanderia conta a história desses advogados e de seu pequeno escritório no Panamá, o Mossack/Fonseca. Eles mesmos contam como o esquema funcionava para dar respaldo jurídico internacional a milhares de negócios escusos que ficavam situados na fronteira entre elisão e evasão fiscal pura e simples, ou seja: corrupção. Essa máquina a serviço da corrupção reunia, no mesmo grupo, políticos estrangeiros de todo tamanho e localização geográfica e grandes expoentes do PIB mundial. Até, pasmem ou não, entra nessa história a "nossa" empreiteira tão conhecida, a Odebrecht, várias vezes citada nominalmente no filme. O começo da história e o deslindar do nó do novelo são de uma simplicidade (para não dizer banalidade) extrema. Tudo começa com um acidente marítimo envolvendo os passageiros de um passeio turístico em um lago situado em uma cidadezinha americana (cujo nome nem tem importância). Nesse acidente, morrem alguns passageiros, entre eles o marido de Ellen (papel ótimo, como sempre, de Meryl Streep). Ambos eram já idosos e a agora viúva conta com o seguro de vida para dar conta das suas necessidades, o que incluía até a compra de um apartamento. Ellen descobre, então, do dia para a noite, que o dinheiro da indenização a ser pago pela empresa náutica (e que seria um seguro obrigatório) do apartamento de Las Vegas já não existe. Desapareceu simplesmente, porque o lastro financeiro estava "aplicado" nas empresas offshore daquele pequeno escritório cuja sede era lá longe... no Panamá. Completam ainda a trama, se já não bastasse o que temos, um empresário africano, um banqueiro alemão e membros do politburo chinês... tudo muito sem necessidade ou justificativa. A Lavanderia, infelizmente, já é esquecível assim que termina. Só lembraremos ainda alguma coisa pelos dois papéis de Meryl Streep e pelas atuações cínicas de Gary e Banderas "narrando" a história. Na minha opinião, Soderbergh já deveria ter cumprido a sua promessa de se aposentar. História essa que vem sendo empurrada com a barriga desde 2013...
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AutoresGianfranco Marchi Histórico
Fevereiro 2022
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